shinsekai

Na livraria

Ele percebe que o caçador caiu mais uma vez: em meio à sua leitura na livraria mal iluminada, localizada num canto eterno entre o dormir e o despertar, o livreiro sente que parte de si novamente queimou, novamente morreu, novamente pediu por clemência. Neste infinito sem dia e noite, sem horas, sem relógios, sem ponteiros, ele calcula que é a décima sétima vez desde algum momento indefinido do tempo, e seu caçador em breve retornará carregando consigo a carcaça de sua presa, imundo de sangue e terra, sairá novamente em busca de uma presa nesta caçada sem fim.

O caçador, por fim, retorna, e o livreiro levanta os olhos ao escutar o som da porta rangendo, o sino emitindo o tintilar agudo. A carcaça de um anjo morto, o olhar exausto e desfocado do caçador: o livreiro o acompanha com o olhar, seguindo-o até os fundos da livraria, onde escuta as aves do paraíso esfolando o anjo e o caçador afiando suas lâminas, limpando seus revólveres e seus mosquetes, passando café. Ele já está aqui: sem casaca, confortável nas roupas limpas e costuradas pelas aves do paraíso, com seus ferimentos cuidadosamente fechados. E lhe oferece uma xícara de café enquanto pega um livro de capa de pele de tarasca e senta em outra poltrona, retomando sua leitura. O livreiro mantém-se quieto, e o caçador também não é de muitas palavras após morrer, e lá fora começou a chover, então recolhem-se em seu silêncio e no café.

Há um cliente pela primeira vez em um infinito: o livreiro ergue as sobrancelhas ao ver o rapaz ruivo com jeito de perdido claudicar e cambalear-se pelas ilhas, pelas prateleiras e pelo balcão. "Livraria e editora Ferrez", diz o livreiro ao se levantar de sua poltrona e deixar de lado seu livro de capa de pele de beemote, estendendo a mão ao ruivo, que a encara com certa confusão no rosto. O caçador já se foi; excluindo as aves do paraíso que povoam os fundos, livreiro e cliente estão sozinhos aqui: o jovem de jeito faminto, apavorado, desesperado mal consegue apertar esta mão morena; ao fazê-lo sem um mínimo de jeito, ele balbucia: "Preciso de algo que vá me fazer salvar a mulher que eu amo." "E quem seria esta mulher?", pergunta o livreiro, dirigindo-se a certa prateleira; "ela está em meus sonhos há meses; o senhor precisa entender que ela me pede ajuda. Ela está presa em uma masmorra, em uma prisão infinita no subsolo; ela é a rainha de todos os pesadelos e todos os infinitos e alguns a chamam de Sheba", responde-lhe o jovem cliente. "Ajude-me", insiste o cliente ao perceber que o livreiro o encara longamente; com isto, o livreiro toma nas mãos um livro de capa de couro de basilisco e entrega ao rapaz. "Aqui estão os segredos do fundo do mundo", diz-lhe, adicionando: "Não vá sozinho salvá-la; melhor falando, não vá salvá-la. Desista, já que a rainha Sheba não precisa de ajuda nem está presa; ela vive em seu reino subterrâneo e não deseja ser incomodada. Seu poder é grandioso demais e você é apenas um garoto, mas", prossegue, notando a tristeza neste olhar, "se tanto assim quiser, indico-lhe meu caçador para acompanhar-lhe. O pagamento será duas vezes mais caro; está preparado para isto?", "estou", diz o rapaz, com toda a convicção do mundo, pegando o livro para si. "Vejo que você não tem nada, então, de ti, quererei seu serviço", diz o livreiro, "e que cuide das aves do paraíso até onde a eternidade permitir, até sua alma se ver livre da paixão pela rainha de Sheba." O caçador aguarda do lado de fora, carregando consigo a carcaça de um apófis, e não chega a entrar na livraria: sai acompanhando o rapaz ruivo em sua incursão ao subterrâneo.

O assistente cuida bem das aves do paraíso, conclui o livreiro. Ele as acompanha nos serviços meniais e as ensina a limpar melhor, cozer melhor, preparar um café melhor. E, quando o infinito passa e continua a passar, se vê obrigado a perguntar ao assistente: "Sua alma está livre das paixões pela rainha de Sheba. Por que não vai embora?", ao qual ele responde: "Não tenho mais nada para mim do lado de lá."

O cliente que vem hoje é o historiurgo: em suas vestes verdes e rosto jovem ele chega com certa depressão no olhar amarelo e um velho tomo de couro de lâmia em mãos, tomo este que o livreiro reconhece de imediato como seu. O livro vai ao balcão e o historiurgo diz: "Perdeu o poder, este tomo historiúrgico", dando um suspiro e também de ombros. "E agora você o devolve?", pergunta o livreiro, o cenho franzido e a voz dura, coisa que também é recebida com um suspirar e dar de ombros. Tomando-o nas mãos, o livreiro o folheia apenas para descobrir as páginas faltando, e o historiurgo logo explica: "Comi estas páginas e agora o poder de mudar a História é meu. Não queria perder este poder maravilhoso caso o tomo fosse roubado, então o comi. Mas quanto mais como, mais fome sinto, então decidi devolvê-lo e acabar com este sofrimento antes que seja tarde. O pagamento, como prometido, serei eu: até meu corpo trocar toda esta pele, este cabelo, esta carne que o tomo me providenciou, ajudarei a livraria como tanto ela me ajudou." E, ao notar o assistente, o historiurgo diz: "Ah, até você?"

O infinito sem tempo não é mais sem tempo, percebe o livreiro: com dois funcionários a mais, além de seu caçador e suas aves, agora os relógios começam a bater e os ponteiros começam a girar; pontos dourados nas paredes de mogno escuro da livraria e editora Ferrez. O café continua sendo passado, o couro fragrante continua sendo curtido nos fundos, os livros continuam sendo produzidos, mas, ainda assim, em meio à rotina infinita do sem-tempo, o tempo passa; há mais clientes, pessoas com seus desejos mais profundos e dolorosos parando como que sem querer em uma livraria quase anônima em uma travessa qualquer em qualquer lugar do mundo, em qualquer tempo a partir do agora, saindo do tempo e entrando no sem-tempo, no nunca-tempo, no infinito finito. Os pagamentos que o livreiro exige são simples: um item de sua coleção, um momento de serviço, uma pequena quantia em dinheiro, uma emoção ou duas, uma semana de sonhos, um jarro do sangue que corre em suas veias. As pessoas entram e saem em quantidade cada vez maior para nunca mais voltarem, exceto o mago, que há muito entra, pede indicações de boas leituras ao historiurgo, toma os tomos de pele de iacuruna, dos hecatônquiros, de vampiros e de sigbin e os lê longamente, apenas para devolvê-los e ir embora e retornar em outro momento. O caçador trouxe desta vez um deva, e quando o texto fica pronto e é embalado na capa da pele deste deva o mago é o primeiro a encontrá-lo e lê-lo. "Não vai fazer nada?", pergunta o assistente ao livreiro, e este percebe que não é preciso fazer nada: o mago já está preso à livraria eterna e seu pagamento é seu coração que foi tomado pelo historiurgo -- e talvez não tenha percebido.

O caçador hoje trouxe seu próprio cadáver: arrastando a si mesmo pelos pés, entra na livraria sujando tudo de sangue e terra, e entrega a si mesmo às aves do paraíso, que despem suas roupas, limpam o corpo moreno, passam perfume nos cabelos pretos e fecham os olhos escuros, para que passam curtir a pele e criar couro a partir disso, e o texto que será embalado nesta pele serão poemas de amor que ligam o mortal ao imortal, o temporal ao perene. "Qual foi o negócio que você fez com ele?", pergunta o assistente, sempre enxerido. "Eu lhe salvei a vida, salvei-lhe de ser exsanguinado por uma besta", responde o livreiro, "e descobri logo que ele não tinha nada para me dar, que mesmo não sendo pobre nos bolsos era vazio na alma, então ele decidiu me dar a vida até recuperar a alma, se é que um dia ele já teve uma.

"Então ele está aqui desde que o mundo é mundo, mas ainda não cresceu alma nenhuma nele, então teremos muito tempo juntos ainda."